sábado, 28 de julho de 2007

Dias Frios.

Nos dias frios acordo cedo e me levanto tarde, e tenho sempre muito em que pensar. Raciocínios incompletos de antes de dormir e idéias novas que o conforto proporciona. Já nos dias quentes saio da cama antes de acordar...
Nos dias frios penso e escrevo sobre a vida e, que saia ou que fique em casa, a tarde me faz bem. Nos dias quentes parece depender mais de mim, e preciso andar, sentar na sombra, achar um lugar mais "dia frio". Mas as noites frias me fazem lembrar dos dias perdidos, quentes ou não, que tenham sido frios no ambiente, para no contraste serem quentes no âmago de nós.
Nas noites quentes, raciocínios incompletos antes de dormir.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

O Almoço do Sábado.

Acordou assustado. Como sempre, um pesadelo, mas bem a tempo – já passava das 9:00. Os sábados normalmente eram livres, mas nesse haveria visita para o almoço. Para muitos pareceria cedo, mas ele sabia que devia tomar o café da manhã na hora certa, para ter fome na hora certa do almoço. Isso sem falar do tempo que levaria para preparar o ambiente, a comida e a si próprio para a ocasião.
Depois do primeiro banho fez algo para comer e ligou a televisão do quarto – evitando sujar a sala. Imaginou todos os possíveis diálogos, com as perguntas que faria e responderia e tudo que pudesse acontecer; tudo bem pensado, mas se viu em um dilema: às 9:45 já não tinha tempo para dormir novamente – pois às 10:30 já deveria estar preparando o almoço -, mas ainda era cedo para o segundo banho. Ficar ali assistindo televisão ele não iria, resolveu sair para caminhar. 45 minutos seria o suficiente; pegou o par de chinelos mais limpo...
Às 10:25 estava de volta. Deixou os chinelos na porta quando entrou, tomou o segundo banho e preparou a comida, colocando em seguida em tigelas de barro e pondo à mesa. Como música ambiente um CD de Kenny G. Sentou e esperou. Por volta do meio-dia parou à porta o carro da irmã, de onde esta saiu com a mãe. “Boa tarde, querido”, e se abraçaram, “O almoço está servido, venham se sentar”, respondeu.

sábado, 14 de julho de 2007

Lígia.

Entupiu o café de açúcar e me pediu que dissesse algo. Certamente que não estava tudo certo com aquela que, normalmente, beberia iogurte natural e falaria ininterruptamente, sem nem notar o meu desinteresse. Onde estaria a minha antiga Lígia? Em qualquer lugar daquela nossa última viagem, de onde voltei dando carona a uma Lígia desconhecida e fria, que pacientemente esperaria chegarmos em casa para me perguntar qualquer coisa sobre aquela jovem moça, na companhia da qual a deixei sozinha naquela noite, naquela terra. E terra, essa, da qual preferiria não ter trazido a nova Lígia, a ter que ouvir o seu silêncio do outro lado da nossa mesinha de quatro lugares, esperando a minha resposta sobre a vadia que conheci por lá - foi assim que ela a chamou.
"Vamos, seu desgraçado! Mostre-me toda a sua cara-de-pau e minta dessa vez". Ela permanecia em silêncio, mas era isso que as suas unhas ao baterem na madeira me diziam. "Será que dessa vez você terá coragem de me olhar nos olhos?" Eu olhei. Ela, para minha surpresa, foi capaz de manter a pose, mas não esperava por minhas palavras da forma como vieram:
- O que quer saber? Os detalhes? O resto você sabe.
Respirou e engoliu uma resposta precipitada. Eu esperava pelo momento em que choraria, mas não era da nova Lígia a fraqueza à qual me adaptara em minha esposa...
- Sim, os detalhes. Fale-me sobre a moça. - pediu.
Depois de tantos anos, era a minha vez de fraquejar:
- Me poupe de sua ironia. Faço as malas e vou embora.
- Simples assim?
- E o que temos entre nós que nos prenda?
Oficialmente não éramos casados e nada dificultaria a separação.
Pôs-se a chorar e eu finalmente reconheci aquela com quem havia vivido por tantos anos. Talvez, nesse ponto, nem precisasse partir, mas já estava feito e eu não ousaria impor que não - assim como ela não ousaria me pedir.
Saí e fechei a porta com cuidado. Apenas sei que Lígia está bem, pois nunca mais a vi.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

A menina que era bonita por ser, e sem merecer.

Era jovem, mas algo de desgastado - não sei se no rosto - lhe dava um falso ar de maturidade. As bermudas que lhe cabiam as pernas ficavam folgadas na cintura, e os homens não conseguiam disfarçar os breves olhares para o elástico da calcinha. Pela falta de pudor da juventude despreocupada, a blusa não lhe cobria a barriga, de forma a ninguém notar os cabelos despenteados que ela nem se dava ao trabalho de esconder. A avó já havia desistido, a neta era bagunçada mesmo...
Bagunçada, mas não feia. Isso nunca. Aquele corpo, que não condizia com a idade, tirava do sério homens casados e bem sucedidos, e só não chamava a atenção dos meninos da classe porque esses tinham medo de apanhar - ela batia mesmo. Porém, não sei por que, na rua não era cantada com frequência, e na escola só de brincadeira, pelos meninos mais velhos... Era sozinha e falava pouco, e todos que a desejavam o faziam de longe.
Estaria o problema em ser bonita? Ou seria a maldição o seu temperamento? Nunca acreditou que a culpa pudesse ser sua, talvez por ser mais fácil pôr a culpa em Deus:

- Não tenho culpa se sou bonita e as meninas não gostam de mim, nem posso fazer nada se os meninos do colégio não têm coragem conversar comigo...

Mas "quem vai cobrar de Deus as dívidas de Deus?"* A menina feia na primeira fila da sua sala tinha amigos, por que ela não poderia ter? Isso - assim como tantas outras coisas - ela nunca parou pra pensar.


* Citação da música Tom Zé É Pai, da banda 1/2 Dúzia de 3 ou 4.