sábado, 14 de julho de 2007

Lígia.

Entupiu o café de açúcar e me pediu que dissesse algo. Certamente que não estava tudo certo com aquela que, normalmente, beberia iogurte natural e falaria ininterruptamente, sem nem notar o meu desinteresse. Onde estaria a minha antiga Lígia? Em qualquer lugar daquela nossa última viagem, de onde voltei dando carona a uma Lígia desconhecida e fria, que pacientemente esperaria chegarmos em casa para me perguntar qualquer coisa sobre aquela jovem moça, na companhia da qual a deixei sozinha naquela noite, naquela terra. E terra, essa, da qual preferiria não ter trazido a nova Lígia, a ter que ouvir o seu silêncio do outro lado da nossa mesinha de quatro lugares, esperando a minha resposta sobre a vadia que conheci por lá - foi assim que ela a chamou.
"Vamos, seu desgraçado! Mostre-me toda a sua cara-de-pau e minta dessa vez". Ela permanecia em silêncio, mas era isso que as suas unhas ao baterem na madeira me diziam. "Será que dessa vez você terá coragem de me olhar nos olhos?" Eu olhei. Ela, para minha surpresa, foi capaz de manter a pose, mas não esperava por minhas palavras da forma como vieram:
- O que quer saber? Os detalhes? O resto você sabe.
Respirou e engoliu uma resposta precipitada. Eu esperava pelo momento em que choraria, mas não era da nova Lígia a fraqueza à qual me adaptara em minha esposa...
- Sim, os detalhes. Fale-me sobre a moça. - pediu.
Depois de tantos anos, era a minha vez de fraquejar:
- Me poupe de sua ironia. Faço as malas e vou embora.
- Simples assim?
- E o que temos entre nós que nos prenda?
Oficialmente não éramos casados e nada dificultaria a separação.
Pôs-se a chorar e eu finalmente reconheci aquela com quem havia vivido por tantos anos. Talvez, nesse ponto, nem precisasse partir, mas já estava feito e eu não ousaria impor que não - assim como ela não ousaria me pedir.
Saí e fechei a porta com cuidado. Apenas sei que Lígia está bem, pois nunca mais a vi.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sempre me pergunto de onde vem a inspiração para textos assim, de uma realidade que aparentemente não lhe convém.. eu sou tão limitada a escrever sobre o meu próprio mundinho.

Unknown disse...

mto bom o texto. nem parece q foi escrito por um "garotão". tá d parabéns

Lili disse...

Ah relacionamentos, não se pode viver com eles nem sem eles.
Belo texto, bem escrito, sei que ficou do jeito que você queria, com todos os detalhes que tu deixa mostrar sem explicitar.
Eu gostei.