Tardes de quarta-feira.

Quarta-feira eu pegava a caixa de tintas e pincéis e saía, já era rotina. A casa era a uma quadra de distância, vizinha à de Heloisa - amiga e colega de aulas de pintura. Poucas coisas podiam ser tão belas quanto aquelas tardes, mas na época eu ainda não sabia e perdia tempo em devaneios, pensando em tantas outras coisas.
Um quintal um tanto místico, cheio de árvores e a mesa posta em uma sombra. Sentávamos - Heloísa e eu - um de cada lado e as telas ficavam no meio, impedindo-nos de nos ver.
- Aceitam uma bala? - Perguntava uma senhora da qual o nome não me lembro.
Às vezes aceitávamos, às vezes não, mas a professora sempre dizia não poder comer doce... E ia lá dentro conversar algo importante com alguém. A senhora que oferecia as balas logo também se retirava e na sala ao lado ficava a tocar piano - o nosso fundo musical -, passeando entre antigos sambas e frevos, cantando e cantarolando enquanto nós, a sós no quintal, conversávamos nos inclinando na cadeira para nos olhar, desviando das telas.
Passavam-se alguns minutos e a professora voltava, interrompendo a conversa - não sei bem dizer com clareza o motivo, mas naquele tempo quase não nos falávamos fora dali, portanto havia muito a conversar e, principalmente, a perguntar. Logo o fundo musical também parava e a senhora vinha novamente nos perguntar:
- Aceitam uma bala?
E os que tinham recusado na primeira aceitavam dessa vez.
- Ela tem problemas de memória. Por isso nunca lembra de já ter feito a mesma pergunta - Explicava a professora, baixinho, quando ela voltava ao piano.
Limpávamos, então, os pincéis e as mãos. A aula terminava antes que a senhora pudesse repetir a pergunta pela terceira vez, talvez para que sobrassem balas para o resto dos poucos meses em que as quartas-feiras foram assim.