segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Cinzas cor-de-desvio

(I)

Subi os degraus até o adro e mirei a praça suja. Nos cantos, prostitutas; em frente, prédios cinzentos, carros... Cidade de traços fortes e grosseiros. Tudo ali me remetia à rigidez do pobre, à dureza do miserável que, mesmo fodido na vida, pede esmola de pé. Eu faria uma bela foto de toda aquela ruína, mas estaria melhor o quanto menos visível pudesse ficar. Desci a escadaria e cruzei a praça pelo meio. Na fonte inoperante, ao centro, uma mulher me pediu um cigarro; eu não fumo. Insistiu que devíamos ir para minha casa; não tenho casa, sou de quilômetros daqui... Um amigo da moça, armado, levou-me a câmera – de nada teria adiantado uma boa foto.
Na pousada não estaria mais seguro, o próprio recepcionista já me teria roubado se tivesse havido chance; saí, então, em busca de Sweska, que prometera me deixar fluente na língua local, que me era tão estranha quanto aquele ambiente urbano mal urbanizado.
– Tive medo de ser branco por essas ruas – contei-lhe.
– Sou tão branca quanto tu.
– Temo por ti também. Roubaram-me a câmera.
Ela não deu muita importância.
– Preciso de tua ajuda com o português.
– Hoje não; ajudarei depois. Senta e come.
Obedeci. Ela bem que poderia me hospedar... Já cozinhava feito brasileira, o que era de meu agrado.
– Fico aqui essa noite?
Não respondeu. Serviu meu prato. Rosto inexpressivo e uma naturalidade assustadora em seu silêncio.
– Durmo aqui essa noite?
– Tenho apenas uma cama...
Faria de tudo para evitar a minha permanência, para manter uma distância segura.
– Durmo no sofá, não me importo.
Apoiou a panela de feijão sobre a mesa e mirou o chão por segundos. Eu bem conhecia aquela feição de quem é pego de surpresa.
– Para que paga o hotel, então?
– Encerro lá e pago a ti.
– Não quero teu dinheiro.
– Nem minha presença... – disse em português.
Mandou-me fazer algo que não entendi, algo relacionado ao sotaque. O português é uma língua de voz alta e nunca me soou confortável.
Insisti para que ficasse com meu dinheiro, para que não fosse roubado e pudesse buscá-lo no outro dia, ela recusou. Provavelmente não me queria por lá no outro dia. Despedimo-nos e saí a pé, tentando lembrar-me por que ruas tinha chegado ali. A cidade era suja e mal planejada, mas àquela hora, vazia de pessoas e de carros, tinha sua beleza. Os quarteirões assimétricos e as construções singulares – ambos, antes, motivos de críticas – iam dando as dicas, desfazendo o labirinto que saltava aos olhos à primeira vista e revelando o caminho; logo encontrei a pousada. O vigia abriu porta, na recepção o funcionário cochilava, catei minha chave entre as tantas penduradas na parede e subi.
Havia dito a Sweska algo sobre uma palestra, meio como se não tivesse importância, abusando de meias palavras para que a mentira não precisasse ser mais bem elaborada. Por um lado ela formularia em sua mente diversos motivos pelos quais eu estaria no Brasil, por outro eu não poderia ir ao seu encontro logo ao acordar. Aproveitei para conhecer os arredores. Disseram-me que seguindo a rua detrás eu chegaria a algumas lojas, nada muito grande, imaginei que lá eu poderia ser turista sem me expor; compraria uma nova câmera. Sempre gostei muito de tirar fotos – e apenas de tirá-las, de modo que ter perdido tantas na câmera roubada não me incomodava mais do que o fato de não poder tirar novas. Valeria o risco.


CONTINUA (qualquer dia)

3 comentários:

Anônimo disse...

tem escrito cada vez melhor. se não fosse sua irmã não perceberia tão bem as suas influências, porque já tem o seu estilo. agora é ser dedicado para não deixar pelo caminho...
:*

Larissa Cavadas disse...

Sweeeeska!
continue logo, quero ler :D

eei
não esquece de linkar o blog, ok?
:B
beijão ;*

Anônimo disse...

Ê, Brasil.